A democracia, desde suas raízes, é um conceito que desperta paixões e debates. A ideia de "governo do povo" soa inspiradora, mas, ao longo do século XX, pensadores revelaram que a prática democrática está cheia de tensões e contradições. Entre as várias formas de enxergar a democracia, as teorias minimalistas se destacam por mostrar como ela pode ser vulnerável, especialmente quando lideranças autoritárias conseguem chegar ao poder por caminhos aparentemente democráticos.
Democracia como jogo eleitoral, na visão de Schumpeter
Joseph Schumpeter, um dos grandes nomes por trás das teorias minimalistas, via a democracia como um concurso para escolher líderes. Para ele, o povo não governa diretamente; sua tarefa é apenas votar de tempos em tempos para decidir quem vai tomar as rédeas. Schumpeter acreditava que a maioria das pessoas não tem tempo, informação ou interesse para se envolver profundamente na política, então o sistema funciona como uma competição entre candidatos pelo voto.
Essa visão, embora prática, tem um lado frágil. Ela abre espaço para que figuras autoritárias usem as regras do jogo democrático a seu favor. Diversos líderes autoritários chegaram ao poder por eleições legítimas, mas, uma vez lá, destruiu as liberdades e as instituições que o elegeram. Ao focar tanto na competição eleitoral e tão pouco na participação cidadã, a teoria de Schumpeter deixa a democracia suscetível a líderes carismáticos com intenções perigosas.
As promessas quebradas da democracia, segundo Bobbio
Norberto Bobbio, em seu livro “O Futuro da Democracia”, aponta que o sistema democrático promete muito, mas entrega menos do que esperamos. Dar poder real aos cidadãos, representar todos os grupos sociais, acabar com a distância entre quem governa e quem é governado, garantir transparência, promover educação política e permitir formas diretas de participação, são algumas dessas promessas não cumpridas. Na prática, o que vemos são burocracias inchadas, governos distantes e uma sensação de que a política não atende às necessidades das pessoas.
Essas falhas criam um terreno perfeito para líderes que se dizem “contra o sistema”. Quando as pessoas se sentem frustradas, elas podem ser seduzidas por figuras que prometem soluções rápidas e atacam as instituições democráticas. Para Bobbio, essas tensões não significam o fim da democracia, mas mostram que ela está sempre em um cabo de guerra – e, em momentos de crise, pode pender para o autoritarismo.
Dahl, Sartori e os desafios da representação
Robert Dahl trouxe uma visão mais ampla ao falar de poliarquia, um sistema com liberdades civis, direito ao voto, eleições justas e diversidade de ideias. Para ele, a democracia é um processo em construção, que amplia aos poucos a participação das pessoas. Mas até as poliarquias têm seus calcanhares de aquiles, como a influência de grupos poderosos ou a manipulação da opinião pública.
Já Giovanni Sartori, em “A Teoria da Democracia Revisitada”, questiona o que realmente significa “democracia”. Ele aponta que o termo é usado de forma tão vaga que pode ser distorcido por qualquer um. Sartori também chama atenção para a apatia política, onde muitas pessoas não se envolvem e o palco para maiorias passivas que elegem líderes sem exigir muito deles. Esse cenário é um prato cheio para populistas, que apelam às emoções e prometem representar “o povo” enquanto ignoram direitos das minorias e limites constitucionais.
Por que o voto nem sempre basta?
Anthony Downs, com sua visão econômica da democracia, explica que os eleitores agem como consumidores. Eles escolhem com base no que parece mais vantajoso, mas muitas vezes sem informação suficiente. Como se informar dá trabalho, muita gente acaba seduzida por discursos simples e emocionantes, típicos de líderes populistas.
A grande crítica às teorias minimalistas é que elas confiam demais no voto como garantia de uma democracia saudável. A história mostra que eleições, sozinhas, não bastam. Uma democracia de verdade precisa de direitos garantidos, diversidade de ideias, partidos fortes e freios ao poder, como tribunais e imprensa livre.
Quando a política vira espetáculo
Sartori, em Homo Videns, alerta para outro problema: a política hoje é mais show do que debate. Na era das redes sociais e da TV, o que importa é a imagem do líder, não suas ideias. Essa “videopolítica” cria conexões diretas entre líderes e eleitores, muitas vezes pulando as instituições tradicionais, como partidos ou parlamentos. Isso pode ser perigoso, especialmente em países onde a sociedade civil é fraca, o Estado de Direito é instável ou os partidos não representam ninguém.
Como proteger a democracia?
As teorias minimalistas nos ajudam a entender os pontos fracos da democracia, mas também mostram que só votar não resolve tudo. Para evitar que líderes autoritários cheguem ao poder, precisamos de mais. É imprescindível a participação ativa dos cidadãos, transparência, responsabilidade dos governantes e educação política.
Modelos como a democracia participativa, defendida por pensadores como Boaventura de Sousa Santos, podem ser um caminho. Ideias como assembleias populares, consultas públicas e maior poder para as comunidades locais fortalecem a democracia. Além disso, instituições sólidas e um debate público aberto são essenciais para que a democracia não seja apenas um ritual de apertar o confirma na urna, mas uma prática viva, que inclua e respeite a todos.
Yuri Almeida é estrategista político, professor e especialista em marketing eleitoral.